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O ser da criança

Desde sua concepção, a criança desenvolve habilidades orgânicas, comportamentais, emocionais e sensoriais sob a influência da ligação estreita com a mãe, o pai, o ambiente e com o desenvolvimento natural do seu ser.

Desde antes de nascer, no ventre materno, a criança se comunica e interage com movimentos expressivos, que se ampliam gradativamente ao longo do tempo, único em união com seu existir. Os sons, movimentos, o alimento materno, o carinho são estímulos essenciais para o desenvolvimento de valores, a elevação da autoestima e a capacidade de ser empática.
O toque, os sons (inclusive de voz), as emoções e sensações produzidas no meio ambiente tendem a orientá-la para capacidades e habilidades que se desenvolverão no decorrer do seu tempo. A criança não tem pressa em nascer, e tampouco de crescer, mas, ao mesmo tempo, se continuasse no ventre materno, interromperia sua evolução. Seu trabalho é intenso, profundo, incessante e coerente com o desenvolvimento das próprias etapas que virão, especialmente o desenvolvimento do eu individual e inter-relacional, que, por sua vez, é repleto de detalhes únicos, particulares e intransferíveis.
Nas brincadeiras, a criança explora incessantemente suas habilidades intelectuais e físicas. Percebemos o quanto é criativa, não só na manipulação de brinquedos e suas histórias, como também na persuasão. Haja vista tudo o que faz para influenciar o adulto e reduzi-lo aos seus desejos, mesmo que momentâneos e passageiros. Assim, ontem fez de tudo para conseguir um objeto que hoje despreza. Os esquemas que usa para conseguir as coisas estão fundamentados nas observações sensoriais que tem dos adultos. Isso faz com que saiba como conseguir o que quer. “Ela sabe, sensorialmente, como funciona o mundo dos adultos e também o que fazer para conseguir coisas através deste mundo (estratégias mentais).” Um exemplo disso é que muitos fazem o que ela quer, porque sentem vergonha e medo da exposição pública.
Somos condenados à liberdade (Jean-Paul Sartre – Filósofo). Por essa afirmação, podemos dizer que todo ser nasce para a autonomia. A autoestima se eleva graças à autonomia que irá desenvolver a partir do desligamento do cordão umbilical. Naturalmente, ela precisará ser orientada e educada, mas sem perder a essência de suas escolhas. Assim, se sentirá valorizada, mesmo quando ouvir um “não” dos seus pais. A presença de agressividade desnecessária, ofensas, demonstração de autoritarismo, etc., servem somente para inferiorizar e gerar conflitos nas mais variadas manifestações.
Quando o adulto se irrita com a criança, cria condições para agressões físicas ou verbais, que, em sua maioria, representam a incapacidade de lidar com algumas situações de suposto conflito, especialmente quando se tenta demonstrar à criança que ela está em terra de gigantes e que é a menor das criaturas naquele mundo. A criança não tem nada a ver com nossas imperfeições e frustrações, mas disso ainda não temos consciência total. Por isso, quando a febre da raiva passa, vem o arrependimento, envolvido com culpas e promessas iniciadas com a frase: “Nunca mais eu farei.”
Em algumas situações, dependendo das características familiares, há uma tendência a compensar a criança de alguma maneira, mimando-a, evitando colocar limites, oferecendo brinquedos caros, como se ela precisasse, desde cedo, ser plenamente abastecida por coisas que supostamente compensariam a ausência de atenção, carinho e a própria raiva expressa pelos pais. Coisas não substituem compreensão e atenção; muito pelo contrário, desabastecem a criança dos valores humanos e a fazem criar estratégias para conseguir mais coisas. Nesse sentido, ela é a gigante e os pais, os pequenos. Para quem oferece a uma criança de 3 anos de idade um smartphone de última geração, com certeza uma Ferrari estará garantida aos 18 anos. E a necessidade de estudar e trabalhar torna-se obsoleta. Quantos jovens de 25, 30 anos ou mais não têm objetivos de qualquer ordem na vida, por ter alguém que os assuma, independente da idade? Simbolicamente, estão intimamente ligados ainda pelo cordão umbilical. Crescer para quê? À medida que os ambientes atuam em seus extremos, de permissividade ou ausência de limites, na infância, é tendencioso que a pessoa reproduza a essência do seu aprendizado agora na idade adulta.
A criança, desde cedo, tem a capacidade de lutar pelo que quer. É insistente, mesmo que ainda não fale. Quando os pais interferem positivamente no processo de aprendizagem, colocando limites quando necessário, darão à criança mais autonomia e discernimento sobre suas ações futuras.
A existência do bullying parece ser normativa nas escolas, chegando a ser incontrolável, a ponto de o professor não ter recursos suficientes para lidar com isso, pela intensidade e quantidade também. O desafio é quando existe a prática de bullying em casa, mesmo que seja através de uma brincadeira. Isso, misturado com permissividade, faz com que comportamentos sejam exteriorizados fora do âmbito familiar. O desenvolvimento da autonomia se faz com a autovalorização e também a valorização de outras pessoas. Ter autonomia é ter liberdade, desde que haja respeito e valorização do outro, mesmo quando criança.
A criança parte do ponto de vista da própria experiência e adquire conhecimento fazendo, enquanto o adulto parte do ponto de vista do discurso ou da razão. Por isso, a maioria das crianças vence a batalha, literalmente pelo grito, pois a experiência a estimula para o desenvolvimento de estratégias sensoriais.
A criança quer ser livre… quer aprender, quer agir, interagir e coexistir, mas precisa ser orientada e guiada até a beira da descoberta. Já ouvimos dizer, por Içami Tiba: “Quem ama educa.” Faz parte do aprendizado dela ser educada para o convívio com os outros e ser educada para SER alguém que sabe o que quer.
O fato de a criança ter tudo não a faz livre e feliz; muito pelo contrário, a aprisiona em si mesma, desenvolvendo ansiedade, arrogância, intolerância à frustração (pois não vivemos no mundo dos “sim”), insegurança e falta de criatividade. Tudo isso porque o mundo fica muito fácil dessa maneira, não precisando lutar por nada, o que pode inibir sua capacidade de escolha, exercício fundamental da liberdade. Escolher é ser livre.
Mesmo que a criança queira ser o seu próprio mestre, é necessário que ela desenvolva a capacidade de ser aluna nos mais variados contextos ambientais, para que adquira a capacidade de ouvir. Treinar a capacidade de ouvir é dinamizar a comunicação, pois a força da comunicação está no ouvir e não no falar. Uma audição mal interpretada pode gerar uma fala injusta.
A criança compreende o mundo adulto, experimentando-o através das brincadeiras de trabalhar, dos jogos de palavras e expressões que agradam e provocam perda de memória temporária sobre alguns atos infantis de desaprovação. Assim, tenta agradar, especialmente quando sente ameaça aos seus propósitos. Isso demonstra que a criança pode acumular afetivamente ou emocionalmente aquilo que não sabe lidar, por isso ela pode vir a pedir aos pais que lhe dêem limites e lhe chamem a atenção quando necessário. Ela não sabe dizer isso claramente, mas atua através de comportamentos de birra, raiva, manha, xixi na cama, crises de ansiedade e depressão ou outros comportamentos inadequados. Muitas questões nos colocam à prova e nos obrigam, no mínimo, a compreender um pouco mais o mundo infantil, o qual se apresenta inicialmente simples, mas é complexo em suas manifestações. Nesse momento, cabe aos educadores e aos pais uma reflexão sobre essa realidade, pedindo auxílio quando for o caso, sendo flexíveis para abandonarem velhas estratégias e conciliando-se com uma nova visão de conceitos, princípios, valores e crenças. Saber ouvir é necessário para perceber e fazer diferente.
Muitas vezes, a própria criança está nos convidando para um novo mundo. Com isso, essa dinâmica de relacionamento pode acontecer com discernimento, estabelecendo limites, regras e, ao mesmo tempo, um mútuo conhecimento, sem rótulos ou enquadramentos. Por isso, é fundamental que percebamos os efeitos das palavras e das ações manifestadas no lar e suas coerências. Alguns pais, por exemplo, fumam na frente de seus filhos ou apresentam cheiro de cigarro e falam para os filhos que cigarro faz mal para a saúde, para que nunca façam isso. Os pais são escultores de novas vidas, e as novas vidas também criam possibilidades para esculpir seus pais, especialmente quando estes não enrijeceram demais para serem esculpidos.


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